04 setembro 2009

Tem o Seguinte

(Pablo Martins)

Que é que tu foi falar com o Freud
Se avisei que era pra olhar no Jung
Que é que tu foi tirar Caetano
Se eu gritei que era pra tocar Raul

Pra quê botamão na bola
Se eu mostrei que dava pra matar no peito
Pra quê foi mexer no corpo
Se era dentro d’alma que tava o defeito

Quem mandou preparar a polícia
Se era uma questão de socorrer o bandido
Meu amor, a piada passa
E se acaba a graça
A gente ta é perdido

E depois tem o seguinte:
Aqui é 110
Eu sou 220

Que é que tu foi morar no mar
Se eu sonhei que era pra esperar na lua
Que é que tu foi comprar vermelho
Se no espelho eu fico bem melhor de azul

Pra quê dabalão na bola
Se eu mostrei que dava pra sair jogando
Pra que foi mexer no fogo
Se era dentro d’água que eu tava cantando

Quem mandou procurar o artista
Se o que dá revista é levantar o vestido
Meu amor, a batida cansa
E se acaba a dança
A gente ta é fudido

Além do mais tem o seguinte:
Aqui é 110
Eu sou 220

Nunca

(Pablo Martins)

Larga
Larga e nunca mais
Mete as mãos aqui
Nunca mais as mãos aqui
Foge
Foge e nem a pau
Pisa os pés aqui
Nem a pau os pés aqui
Passa
Passa sem pensar
Em voltar aqui
Nem pensar voltar aqui

Quero que tu durma
Apesar do som da turma não ter inspiração
Pra te ver dormir
É bom que a gente enjoe e se jogue do navio
Ou então
Salte do avião

Nunca
Nem que a vaca tussa
Nem que tu entristeça
Sobre o leite abandonado
Nada
Nem que a terra coma
Nem que o cristo caia
Sobre a areia da praia
Some
Quebra a cara e some
Pega, mata e come
E esquece que esteve aqui

Quero tu sonhando
Apesar do rei do bando não ter coração
Pra te ver sonhar
É bom que a gente embale e atropele o imbecil
Ou então
Mate o grande irmão

Assim Assada

(Pablo Martins)

Hoje eu acordei tão cedo
Eu to tão cansada
Eu ando meio assim
Vou me demitir do mundo
Eu vou é cair no samba que tu fez pra mim
Que tu fez só pra mim
Que tu pra mim fez só
Que só tu fez pra mim
Que pra mim tu fez só

Eu já levantei grilada
Eu ando assim assada
O meu sonho empedrou
Vou abandonar o barco
E é pra cair no circo que tu me armou
Que tu que é tu ne armou
Que tu me armou que tu
Que tu que tu quetu
Que tu quieto me armou

Eu queria ter a vida
Que o deus da vida
Me ensinou a ver
Mas é sempre a mesma luta
Esse bando de rato que quer me roer
Ratu ratu ratu

Tava aqui inventando a roda
Quando entrou a fada
E me levou o refrão
Bruxa, a fada fez que sim
Que é pr’eu cair no samba que te fez pra mim
Que te fez só pra mim
Que te fez só fez só
Que te que te quiti
Que te

Eu com a minha cara

(Pablo Martins e Paulo Pappen)

Eu com a minha cara de pau
Bem que eu poderia ser o tal
Dar notícia, cantar no jornal
Censurar, julgar o genial

Eu com a minha cara de mau
Bem que eu poderia ser igual
Mais um sócio do Internacional
Generalizar o marginal

Mas eu sou a puta que caiu depois pariu na contramão
Só que eu sou o bêbado que bebe do que baba do babão
E no entanto eu canto tanto quanto me permite a situação
Esse samba tido na batida bandida do violão


Eu com essa cara de povão
Bem que eu poderia ser o chão
Do desfile da televisão
Da operação do batalhão

Eu com essa pinta de boleiro
Bem que eu poderia ser o primeiro
Mas já me mandaram pro chuveiro
E depois mandaram o meu zagueiro

Porque eu sou o bêbado que bebe do que sabe do que é bom
Porque eu sou o filho lá da puta que morreu na contramão
E no entanto eu canto tanto quanto me permite a oposição
Esse samba ardido na batida dormida do coração

Eu Não

(Pablo Martins e Paulo Pappen)

Ó mãe, ó mãe
Eu não vou vencer na vida
Eu sei, eu li
Na história resumida
Que eu, ó mãe
Escrevi na minha mão
Depois que tu
Me soltou do teu cordão

Eu não agüento mais não
Não discuto mais não
Com polícia ou professor
Eu não invejo mais
Não me interessa mais não
A conversa do cantor
Eu não duvido mais
Nem acredito em ninguém
Eu não quero ser ninguém
Eu sou sintoma de ti
Fiz um samba pra ti
E tu nunca vai ouvir


Ó mãe, ó mãe
Eu não acho graça nisso
Eu sou, eu só
Esse pobre e podre bicho
Sem paz, nem deus
Esperando a reação
Da dor, ó mãe
Que cansou meu coração

Eu não escuto mais não
Não discurso mais não
Pra freguês ou pra patrão
Eu não preciso de nós
Sou nascente, sou foz
É o que enjoa a minha voz
Quem nesse mundo é feliz
é feliz porque é porco
e outra coisa que eu não sou é porco
eu sou seqüela de ti
fiz um drama pra ti
foi pra isso que eu nasci

O Aquário

(Paulo Pappen)

daqui eu vejo os prédios de frente pro rio
mas não vejo o rio
vejo também os prédios que apontam o céu
mas não vejo o céu
eu sei que o rio vai pro mar
mas não sei onde o mar vai
sei também que o céu pinta o mar de azul
ou de cinza
mas não sei se não é o mar que dá cor ao céu
assim como o sol dá cor à mulher
e a mulher dá cor ao homem

o rio tem ilhas como o prédio tem salas
mas as ilhas são barquinhos
encalhados pelo tempo
enquanto as salas são gavetas
num armário reciclável
e quando o rio crescer e inchar
como alguém com problema de rim
o prédio vai virar ilha
e as ilhas vão ser Titanics
cidades onde os peixes brincam de gente

aí o rio vai juntar com o mar
e o sal vai sair na torneira
as janelas de frente pro rio
vão virar escotilhas
e bêbado de esgoto e óleo
o riomar vai entrar em coma

a polícia vai ser chamada
e a ambulância e a política
e a professora de biologia
e o engenheiro da história pública
e todos vão poder dizer
que era de se esperar
que até a Bíblia já previa
e que finalmente
entramos na Era de Aquário

31 agosto 2009

A Organização Mundial da Vida informa

(Paulo Pappen)

A Organização Mundial da Vida informa:

O trabalho escravo passou a se chamar apenas trabalho. Assim, os escravos deixaram de se chamar escravos, e devem ser mencionados como trabalhadores, funcionários ou colaboradores. Consequentemente, acaba-se também com a idéia de liberdade, que deixa de fazer sentido a partir do momento em que todos são livres. A antiga luta pela liberdade, então, deve ser substituída pela luta pela paz.

As pessoas querem paz, mas acabam ficando livres. E quando querem ser livres, acabam encontrando a paz. A paz, portanto, é inimiga da liberdade. Inimigos são aqueles que brigam pelo mesmo lugar, e a paz é não brigar. Então é a liberdade que impede que a paz exista, porque a liberdade é justiça, e a justiça é luta, briga, pedrada no gigante.

O gigante é a sociedade. A sociedade é cada vez maior, e assim vai aumentando a sombra do gigante. A sombra é a paz do verão. O sol é a liberdade do inverno.

Isso tudo soa desconexo porque é uma tentativa de cruzar linhas paralelas. Até agora, a paz e a liberdade demonstraram ser as mais belas linhas paralelas do destino humano. Não se exclui, porém, a possibilidade de que elas não sejam paralelas e, portanto, um dia se encontrem num x.

Essa possibilidade é alimentada pela esperança, a linha que ziguezaga entre a paz e a liberdade. Nossa linguagem é baseada na diplomacia exercida pela esperança, e é por isso que estamos o tempo todo nos contradizendo. Uma hora queremos paz, e na outra liberdade, mas no fundo só estamos fazendo propaganda pra esperança. A esperança é quando estamos acordados, pensando e falando, o que não traz nenhuma satisfação vital.

Só dormir é satisfação garantida, porque o sono junta a liberdade e a paz. As pessoas morrem de fome, de sede, de frio, de medo e de solidão, mas nunca morrem de sono. É assim que se conseguiu chegar ao século 21: permitindo minimamente o sono.

Permitir é uma palavra ligada à liberdade, de onde se presume que, no fundo, a luta é pela liberdade. Isso porque a liberdade conduz à paz, e a paz não conduz à liberdade.

Mas se são linhas paralelas, como pode uma nos levar à outra?

Calma. Aqui entra outra questão interessante: as linhas são paralelas, não são iguais. A liberdade acredita numa paz vinda com a luta e o movimento, mas a paz não reconhece nenhuma liberdade fora dos seus domínios.

Porque a paz é disciplina, é prever o que pode acontecer e acreditar nessa previsão. E a liberdade é improviso, uma reação diante da reação do outro. Essa é a tendência natural do ser vivo: agir, reagir, se mexer. O pensamento (acreditar, sonhar, falar) é uma característica do animal humano, e portanto lutar pela paz faz sentido apenas para a humanidade. A liberdade é uma luta comum a todos os animais e é por isso que é mais simples. E por ser mais simples, é mais satisfatória.

Mas satisfação não é liberdade e paz ao mesmo tempo?

Exatamente. É por isso que dormir é satisfação garantida: porque se dorme mesmo sem paz, mesmo sem liberdade.

É por isso também que a morte é muitas vezes referida como um sono, o sono, o descanso justo.


A Organização Mundial da Vida informa também que:

Da mesma maneira que se acabou com a escravidão pra se acabar com a liberdade, acabou-se com a censura pra se acabar com a subversão. Quer dizer, oficialmente não faz sentido existirem subversivos, já que não existe uma ordem a ser subvertida. Mas só foi possível acabar com a censura e com a escravidão porque as pessoas aprenderam a se autocensurar, e já estavam com a escravidão na alma.

Quanto ao futuro, pouco se pode saber, mas o fato é que demos aspirina e coca-cola pra todo mundo, e a tendência é que a gente continue zumbizando por aí.

30 agosto 2009

Musificação

(Roberto Lacaze)

Respiro música
Música é vida

Toco a vida
Vida é música

Violão e Voz

(Pablo Martins e Roberto Lacaze)

Quando eu restava sem você chegava bem jor
Jurava sempre minha e eu somente seu jorge
Você toda tom jobim e eu tom zé

Depois daquela sombra aquela assombração
Tu de bruxa eu um lobo mau
Após aquele tempo aquele temporal
Tu na forca eu num paredão

Mas quem sabe a dor desabe por um triz
Ou quem dera a nossa espera ter razão
Pelo visto a nossa força tem raiz
Pelo verso 'o verdadeiro amor é vão'

Quando eu sentava o pau você caía mau tner
Você que sabe mais o que eu apenas sei xas
Quando eu laiá laiá você laia laiê lis
Você franciscaetando eu gilbertogilando
Você todo bob marley e eu dylan

Dentro daquela dor aquela dorival
Tu nem santa eu já nada são
Batendo aquele coro aquele coração
Tu pirata eu perna de pau

Mas quem dera a nossa espera ter razão
Ou quem sabe a dor desabe por um triz
Pelo verso o verdadeiro amor é vão
Pelo visto a nossa força tem raiz

Pelo verso a dor espera e tem raiz
Ou quem dera o amor desabe sem razão
Mas quem sabe a nossa força força o vão
Pelo verdadeiro visto por um triz

Descaracterizará

(Pablo Martins e Roberto Lacaze)

Ela descaracterizará meu samba
Ela descaracterizará
Ela descaracterizará meu samba
Ela descaracterizará

Pelo andar da carruagem
Pelo trote do animal
É que eu fiquei maluca malucando a cuca
A cruz do cidadão

Pela hora da conversa
Pelo canto das gerais
É que eu fiquei danada danando a dona
Maria, o seu joão

E após me desusar, me desabar no chão

Ela descaracterizará meu samba
Ela descaracterizará
Ela descaracterizará meu samba
Ela descaracterizará

Pelo descuido da aparência
Pela carência habitual
É que eu fiquei perdida perdendo a cabeça
Acabando sem ação

Pelo nó na corda bamba
Pelo dito imoral
É que eu fiquei falada falando à toa
Toada da situação

E após me desfrutar, desabafar em vão

Caráter rítmico característico do coração

Ela descaracterizará meu samba
Ela descaracterizará

Sonho de Valsa

(Roberto Lacaze)

Um pouco de atenção
Não é vaidade
Tento provar do mel
Não sou nenhum Napoleão

Escondo o coração
Da crueldade
Vejo a porta do céu
Meu pai é um simples cidadão

Sinto tanto calor
E não me deito ao léu
A casa do amor
Não é de papel

Aprendo a lição
Sem faculdade
Olho detrás do véu
Que envolve toda emoção

Não penso conhecer
Toda verdade

Nicoleoa

(Pablo Martins)

Vou abrir buracos na parede do coração
Deixar as pegadas e os pés
E dormir ali onde meu gato vira leão
E eu sou a rainha das ralés

Estancando na artéria o vazamento da miséria

Quebrar os vidros da janela por onde voará
Aquela voz dos candomblés
E eu que consto em ata gata mansa viro leoa
Comandando os muros e as marés

Estampando em jeito aéreo o movimento do mistério

Flor nesta flor esta em que sou Nicoleoa

Sei de cor a cor, o cara ao lado, cara de pau
Samba cambalhota nos sinais
Sei felina a sina que alucina o carnaval
E arruína a dor dos marginais

Conferindo na esquina o vazamento da menina

Deixar os pés e os pedaços numa emboscada
Desfilar sangrando entre os salões
E no fim, assim, rangendo os dentes numa rosnada
Anunciar que o mundo é dos leões

Confirmando na família o movimento da armadilha
Revelando o filho a filha

Festa na floresta pois eu sou Nicoleoa